terça-feira, 10 de maio de 2011

Congresso precisa instalar uma nova CPI do ECAD



A reportagem publicada em O Globo de hoje com troca de emails entre membros de associações que compõe o ECAD, somada à reportagem dando conta de pagamento de direitos autoraisimpróprios a pessoas quem nunca nem tocou gaita, são mais do que suficientes para que se instale uma CPI do ECAD.

Não seria a primeira.

Em 1995, o Congresso brasileiro realizou uma investigação que no relatório final pede “o fim do ECAD, e de acordo com a Constituição Federal, sugerir a criação de ao menos dois órgãos de arrecadação, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos”.

É lastimável que a ministra Ana de Holanda tenha posição diferente.

Em entrevista ela disse ser contra subordinar uma entidade como ECAD (segundo ela, uma associação de autores), ao governo. Como se o papel do governo não fosse essa.

Aquele relatório final da CPI solicitou o indiciamento de 79 pessoas por formação de cartel, mais um punhado de outros por crimes de falsidade ideológica e sonegação fiscal.

Disponibilizo o relatório final aqui para que possa ser consultado e analisado por aqueles que têm interesse no assunto. É um documento público e que neste momento ganha importância em decorrência das suspeitas de novos casos passíveis de investigação na instituição.

Para a cultura brasileira, depois de 15 anos, seria interessante que o Congresso realizasse uma nova investigação no ECAD para verificar se as práticas denunciadas naquele relatório se mantiveram ou não.

Para a sociedade essa ação seria fundamental para impedir que interesses públicos sejam privatizados. A troca de emails divulgada pelo O Globo de hoje, onde se fala de uma “amiga” do ECAD no MinC é algo que precisa urgentemente ser investigado.


Por Renato Rovai


Em trocas de e-mails, diretores de associações que compõem o Ecad tratam da relação próxima com a atual gestão do Ministério da Cultura

RIO - Os dois lados vêm negando uma proximidade desde janeiro. No entanto, integrantes das diretorias das associações que formam o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) usam termos como "nossa amiga" e "novo momento político" quando se referem à atual gestão do Ministério da Cultura (MinC). Uma série de nove e-mails a que O GLOBO teve acesso mostra como a mudança de governo foi encarada com otimismo pelos dirigentes do Ecad, entidade que recolhe e repassa os direitos dos autores no Brasil e que sempre se posicionou contra as intenções dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira de alterar a Lei do Direito Autoral. Um dos pontos mais polêmicos do projeto de reforma trata justamente da criação de um órgão fiscalizador do Ecad, que vem sofrendo denúncias de fraudes. Os e-mails, além de revelar a suposta vontade do MinC de ter "uma interlocução mais próxima" com o Ecad, ainda trazem acusações a diretores de associações que repartiriam honorários de advogados.

A troca de mensagens ocorreu entre 20 e 24 de março deste ano, em meio às discussões sobre a continuidade da reforma da Lei do Direito Autoral, cujo anteprojeto voltou a debate quando Ana de Hollanda assumiu o MinC, em 1 de janeiro, sob a justificativa de que precisava ser revisto. O primeiro e-mail foi enviado por José Antonio Perdomo, diretor superintendente da União Brasileira dos Compositores (UBC). Entre as 24 pessoas copiadas, estavam Roberto Mello (presidente da Associação Brasileira de Música e Artes, a Abramus), Jorge Costa (diretor administrativo e financeiro da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais, a Socinpro), Marcus Vinicius de Andrade (presidente da Associação de Músicos Arranjadores e Regentes, a Amar), Fernando Brant (presidente da UBC), Ronaldo Bastos (diretor de comunicação da UBC), Sandra de Sá (diretora vogal da UBC), Danilo Caymmi (diretor da Abramus) e Glória Braga (superintendente executiva do Ecad). UBC, Abramus, Socinpro e Amar são as quatro principais associações, de um total de nove, com poder de voto no Ecad.

Perdomo escreveu para criticar entrevista de Roberto Mello ao jornal "O Estado de S. Paulo", em que ele afirmara que o MinC do governo Lula foi "completamente desaparelhado". Por e-mail, Perdomo disse: "Roberto, lamentável a sua declaração (...). Muito triste e decepcionante ver o presidente da Abramus colocar a sua vaidade e ego acima da causa nobre que é a defesa (...) dos direitos autorais."

A primeira resposta veio de Jorge Costa: "Precisamos ser mais coerentes, verdadeiros e agir de forma organizada como vínhamos fazendo até a chegada do atual governo. Ninguém ganhou nada até agora. Não sabemos o que vem pela frente. Mas sabemos que vamos ter muito trabalho quando o Congresso Nacional começar a trabalhar."

... a Comissão (de Comunicação do Ecad) é necessária para que afinemos nosso discurso público, principalmente diante das responsabilidades que o novo momento político nos impõe. Falei ontem com a nossa amiga do MinC, que me garantiu que o ministério está querendo ter conosco uma interlocução mais próxima...

O segundo comentário foi de Andrade, numa mensagem em que analisa o panorama do MinC no governo Dilma: "... a Comissão (de Comunicação do Ecad) é necessária para que afinemos nosso discurso público, principalmente diante das responsabilidades que o novo momento político nos impõe. Falei ontem com a nossa amiga do MinC, que me garantiu que o ministério está querendo ter conosco uma interlocução mais próxima..."

Andrade comentou ainda a repercussão da declaração de Mello: "A fala do Roberto na matéria do Estadão causou certa espécie no MinC, mas nada que signifique um transtorno ou um caminho sem volta. Ela já foi devidamente administrada e absorvida. Pelo que estou sabendo, as pessoas da DDI já se adequaram à nova situação."

DDI é a Diretoria de Direitos Intelectuais, setor do MinC responsável pela reforma da Lei do Direito Autoral. Para dirigir a DDI, Ana de Hollanda nomeou Marcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia-Geral da União que integrou o antigo Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA) nos anos 1980. Marcia teria sido indicada ao MinC por Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do CNDA e hoje advogado do Ecad. A ministra teve uma reunião com Hildebrando em 27 de janeiro, em Brasília, supostamente para convidar o próprio para assumir a DDI, o que o MinC negou.

Hildebrando é citado na troca de e-mails como contratado pelo Ecad para advogar num processo em Brasília. Antes, numa das mensagens, Perdomo questionou os demais sobre um caso em que o presidente de uma associação teria "pressionado um funcionário/subordinado a dividir com ele os seus honorários de sucumbência", que são um prêmio concedido ao advogado da parte vencedora. Andrade também tratou da questão, dizendo que a partilha dos honorários nos processos do Ecad é "uma prática corrente", "inclusive envolvendo vários advogados, até de sociedades". "Diante disso, faço questão de que discutamos a fundo esse assunto, para aclarar erros do passado e coibir erros futuros", escreveu.

Perdomo, Andrade e Mello não retornaram os pedidos de entrevista do GLOBO até o fechamento desta edição. Jorge Costa disse apenas que se limita ao que está escrito em seu e-mail. Já o MinC enviou nota em que "repudia quaisquer insinuações de que seus integrantes atendam a interesses ilegítimos ou ilegais". E lembra que "nos últimos meses, dirigentes da pasta vêm defendendo em declarações públicas o imperativo de supervisionar as atividades de gestão coletiva".


INFOGRÁFICO: Veja trechos da troca de mensagens entre diretores e integrantes das associações que compõem o Ecad

RESPOSTA: Leia a íntegra da nota divulgada pelo Ministério da Cultura


LEIA MAIS: Ecad repassou quase R$ 130 mil para falsário por autoria de trilhas sonoras


Rio - Ninguém no Brasil ouviu falar em Milton Coitinho dos Santos, mas, de acordo com o sistema de músicas do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), ele deveria ser um dos mais prolíferos e conhecidos autores de trilhas sonoras para cinema de que se tem notícia. Suas composições viriam de clássicos dos anos 1960 até comédias recentes deste século. Ele teria trabalhado com Glauber Rocha, José Mojica Marins e Anselmo Duarte. E, por essas supostas trilhas, foi recompensado. Em 2009, Coitinho recebeu R$ 33.364,87 de direitos autorais do Ecad. Em 2010, foram R$ 94.453,42. No total, o escritório pagou ao "compositor" R$ 127,8 mil pelas exibições de 24 filmes nos últimos dois anos. Só que Coitinho, na realidade, foi o autor de outro tipo de obra: ele representa a maior fraude já descoberta dentro do sistema de distribuição de direitos autorais do Ecad.

O esquema dos pagamentos irregulares começou a vir à tona em novembro do ano passado, de acordo com uma série de documentos e trocas de e-mails aos quais O GLOBO teve acesso. Na ocasião, a União Brasileira dos Compositores (UBC), uma das nove associações que compõem o Ecad, foi questionada sobre os direitos de Sérgio Ricardo em relação à trilha de "Deus e o diabo na Terra do Sol", filme de 1964, de Glauber Rocha. As composições da obra são de Ricardo e do próprio Glauber, mas a trilha foi registrada como de autoria de Coitinho na UBC em 28 de janeiro de 2009.


LEIA MAIS: Brasil abre consulta pública sobre mudança na Lei de Direito Autoral


- Isso é um roubo, é um crime. Imagino que algum funcionário oportunista pegue uma obra sem autor ou com o nome trocado e a registre em seu próprio nome - diz Sérgio Ricardo. - É uma mostra de como o direito autoral no Brasil é desorganizado. As informações são truncadas, nunca se sabe exatamente o que está sendo pago.

Desde 2009, então, trilhas são registradas em nome de Coitinho. Há obras de todos os gêneros e datas. Estiveram associadas a ele, por exemplo, músicas de "O pagador de promessas" (1962), de Anselmo Duarte; "Macunaíma" (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; "Finis hominis" (1971), de José Mojica Marins; "Feliz ano velho" (1987), de Roberto Gervitz; "Pequeno dicionário amoroso" (1997), de Sandra Werneck; e "O homem que desafiou o diabo" (2007), de Moacyr Góes.

Isso é um roubo, é um crime. Imagino que algum funcionário oportunista pegue uma obra sem autor ou com o nome trocado e a registre em seu próprio nome

Em todos, ele aparecia no sistema do Ecad tanto como compositor das obras como seu intérprete. Há casos, como no de "Romance" (2008), longa-metragem de Guel Arraes com trilha de Caetano Veloso, em que ele foi registrado como único autor das músicas. Em outros, os autores verdadeiros eram cadastrados com uma participação menor na trilha, para não levantar suspeitas. As músicas de "Casa da Mãe Joana", de Hugo Carvana, foram feitas por Guto Graça Mello. Mas, na ficha técnica do Ecad, Guto teria tido participação em apenas 1.350 segundos da trilha, enquanto 3.755 segundos seriam de Coitinho.

- Isso me parece um grande golpe de uma equipe. Eu acho que apareceu apenas a ponta de um iceberg. É muito dinheiro envolvido na distribuição de direito autoral no Brasil - afirma Guto.

Os valores pagos por cada filme variam de acordo com sua execução no ano. O rendimento em direito autoral das músicas para "Didi quer ser criança" (2004), de Alexandre Boury e Reynaldo Boury, por exemplo, foi de R$ 33 mil em 2010. Porém, 70% da trilha, de autoria de Mú Carvalho, foram inscritos como sendo de Coitinho.

- Até agora não me pagaram o que é devido. É engraçado como é mais fácil alguém inventar que fez uma música e receber o dinheiro da associação do que o verdadeiro compositor ter o que lhe é de direito - afirma Carvalho. - Sendo elegante, eu posso dizer que o sistema do Ecad é, no mínimo, falho.

O Ecad é o órgão responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil. A arrecadação é feita em rádios, emissoras de TV, casas de festas, blocos de carnaval, restaurantes, consultórios ou qualquer estabelecimento que toque música publicamente. Depois, o valor é distribuído para as nove associações que compõem sua estrutura, cabendo a elas o repasse para autores, herdeiros, editoras e intérpretes. Atualmente, o banco de dados do escritório conta com 2,3 milhões de obras musicais, 71 mil obras audiovisuais e 342 mil titulares de música.

Parte desse banco de dados está disponível para consulta na internet, num sistema chamado Ecadnet. Em entrevista ao GLOBO no início de março, Glória Braga, superintendente executiva do Ecad, explicou que o Ecadnet é um catálogo mais refinado das obras.

- Ali estão músicas nacionais codificadas para um projeto internacional. Elas têm códigos que sofrem validações variadas, refinamentos de tecnologia. São músicas cujas informações podem ser utilizadas em qualquer lugar do mundo com aqueles códigos. Aquilo é menor do que o banco de dados do Ecad. Outras músicas ficam no nosso banco de dados aguardando validação para que sejam postadas no banco de dados mundial. Aquele é um banco de dados refinado, depurado, sem maiores problemas - disse Glória.

Apesar disso, todas as músicas de Coitinho estavam, até domingo, no Ecadnet.

O Ecad cortou os repasses para Coitinho em janeiro e agora estuda uma maneira de processá-lo. O problema é encontrar o falsário - se é que ele existe. De acordo com Marisa Gandelman, diretora executiva da UBC, Coitinho registrou as trilhas sonoras no escritório da associação em Minas Gerais. Hoje, porém, não haveria informações sobre seu paradeiro. Em trocas de e-mails entre representantes de associações, falou-se que ele poderia ter ido para o exterior.

- Ele descobriu uma brecha e agiu de má fé. Qualquer sistema no mundo tem brecha. A própria ideia da autoria de obra artística depende da presunção da verdade do autor, o que já deixa a maior brecha de todas - explica Marisa. - O direito de autor no Brasil é automático, não carece de registro. No caso dos filmes, normalmente a ficha técnica é levada ao sistema com base num documento preparado pelo produtor. Quando a ficha não é catalogada, o dinheiro fica retido até aparecer um titular. O Coitinho se inscreveu como autor de filmes cujas fichas não foram providenciadas. Como não havia outra ficha, o problema não foi logo percebido. Mas só quem faz parte do sistema tem acesso a essas informações.

Como não existe um método de depósito de fonogramas, a gente não sabe se a obra existe mesmo ou se foi feito um cadastro de má fé. E as associações não checam os cadastros

Outra particularidade no registo autoral brasileiro é que cada uma das dez associações do Ecad tem modelos próprios para registro e não se exige do autor um fonograma da obra.

- Como não existe um método de depósito de fonogramas, a gente não sabe se a obra existe mesmo ou se foi feito um cadastro de má fé. E as associações não checam os cadastros - afirma Juliano Polimeno, diretor executivo da Phonobase, agência de música de São Paulo.

- Na Espanha, a associação Sgae determina que o cadastro de obra seja feito junto com o áudio. Além disso, fora do Brasil existe uma padronização no cadastro. Aqui, o Ecad não tem um padrão - afirma o advogado Daniel Campello Queiroz.

A revelação do esquema de Coitinho coincide com o debate sobre a reforma da Lei do Direito Autoral. Hoje, o projeto que foi preparado pela gestão anterior do Ministério da Cultura (MinC) volta para consulta pública, a fim de receber sugestões até 30 de maio. Diferentemente do que ocorreu em julho do ano passado, quando o MinC fez a primeira consulta, porém, os internautas não terão acesso às contribuições de terceiros.

Um dos pontos mais polêmicos da reforma está, justamente, na necessidade ou não de se criar um ente governamental fiscalizador do Ecad - atualmente, o escritório é autônomo.


E MAIS:
Ecad admite possibilidade de nova fraude

RIO E BELO HORIZONTE - Uma família brasileira de sobrenome Silva, composta por pai, mãe e dois filhos menores de idade, pode estar por trás da segunda fraude a abalar o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) em menos de uma semana.

De acordo com o Ecadnet, sistema de busca que o escritório responsável pelo recolhimento e pagamento dos direitos autorais de todos os músicos do país mantém na internet, Marco Aurelio da Silva, Laurinda Nascimento Vieira Silva e seus dois filhos seriam mais prolíferos do que Chico Buarque. Só Marco Aurelio, o patriarca da família, tem registradas em seu nome 629 obras, frente às 468 do irmão da ministra da Cultura, Ana de Hollanda.

Entre as composições que caem na conta dos Silva, todos cadastrados como artistas pela Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro), há vários homônimos de hits nacionais. Entre eles: "Coisas que eu sei", de Dudu Falcão - uma das cinco músicas mais tocadas em 2009 na voz de Danni Carlos -, "Tá perdoado", de Arlindo Cruz, e "Chora me liga", da dupla sertaneja João Bosco e Vinícius.

Os Silva não têm o costume de informar o intérprete de suas produções e parecem trabalhar nos mais diversos estilos musicais. Na lei brasileira, não há nada que impeça que duas composições tenham o mesmo título. Mesmo assim, o Ecad decidiu submeter toda a família a uma auditoria interna. O processo começou no ano passado.

Procurado pelo GLOBO, o Ecad informou, por sua assessoria de imprensa, que entre janeiro de 2010 e abril deste ano os Silva receberam R$ 1.700 pela reprodução de todas as suas supostas composições. A reportagem, porém, obteve documentos que comprovam que o ganho deles com apenas quatro canções entre janeiro de 2005 e dezembro de 2010 beira os R$ 4 mil. Só por "Festa no apê", obra homônima ao sucesso do cantor Latino, os Silva, que detêm 75% dos direitos (o detentor dos outros 25%, também desconhecido, não pertence à família), embolsaram R$ 2.207 em cinco anos.

De acordo com o Ecad, "com a colaboração de produtores de shows, a família Silva relacionava obras da autoria deles entre os roteiros de shows pelo Brasil".

- Se a falha no registro de obras permite que qualquer pessoa informe o compositor errado ao Ecad, então, existem muito mais famílias Silva do que se sabe - diz, irritado, Dudu Falcão.

Se a falha no registro de obras permite que qualquer pessoa informe o compositor errado ao Ecad, então, existem muito mais famílias Silva do que se sabe

Apesar da nota do Ecad, Jorge Costa, presidente da Socinpro, diz desconhecer qualquer investigação sobre os Silva.

Na última segunda-feira, O GLOBO denunciou o pagamento de R$ 127,8 mil ao falso compositor Milton Coitinho dos Santos. Cadastrado no sistema do Ecad pela União Brasileira de Compositores (UBC) - outra associação de artistas -, ele listou como sendo suas várias trilhas de filmes brasileiros, algumas conhecidas por outros autores. Após a denúncia, o Ecad congelou os pagamentos que lhe seriam feitos e informou que moveria um processo contra ele.

A reportagem, que já estava atrás dos Silva há dois meses, tentou localizar Coitinho ao longo da semana. Todos os dados que constam nas fichas cadastrais de ambos não levam a lugar algum. O e-mail que os Silva forneceram à Socinpro retorna com uma mensagem de erro. O telefone da família dá ocupado. Trata-se de um número em Belo Horizonte, mesma cidade onde Coitinho fez o seu registro. Já na ficha submetida por Coitinho à UBC, o número de identidade tem dois dígitos a mais do que o normal e o endereço e telefone "para correspondência" correspondem ao cassino Palms Place, em Las Vegas. Lá, ninguém nunca ouviu falar do brasileiro.

A data de nascimento de Coitinho também é falsa. Segundo um sistema de informações que reúne dados de segurança pública de todos os órgãos de fiscalização do Brasil, o CPF de Coitinho está ativo, mas atrelado a alguém que nasceu em 1964 e não em 1940, como registrou a UBC. Supõe-se que o fraudador tenha optado por envelhecer como forma de justificar a autoria de trilhas sonoras produzidas em sua infância.

O mesmo sistema de segurança revela que Coitinho reside ou residiu em Bagé, no Rio Grande do Sul, e trabalhou numa distribuidora de cervejas. Contatado pelo GLOBO, o departamento de recursos humanos da Cargnelutti & Cia. Ltda. disse que um homem com CPF idêntico ao do registrado na UBC prestou serviços à empresa entre 2001 e 2008. Sem especificar o cargo, acrescentou que ele atuou em Santana do Livramento (RS).

Coitinho também foi dono de uma padaria em Bagé, mas o escritório de contabilidade que geria a sua conta diz que ele não aparece lá há anos. Os documentos relativos ao negócio já estão no arquivo morto da empresa.

Segundo consta, Coitinho recebia seus direitos autorais através da procuradora Bárbara de Mello Moreira, uma jovem que mora com a mãe e o irmão num condomínio no Pechincha, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A procuração, datada de 28 de maio de 2010, era falsa.

O carimbo que está acima é uma falsificação do selo da Secretaria de Estado Americano, que deveria reconhecer o carimbo do meu cartório

- Esse documento é uma fraude - informa Bobbie G. Bell, tabelião do Notary on Wheels, cartório da Flórida cujo selo aparece estampado no documento. - Além disso, o carimbo que está acima (na mesma página) é uma falsificação do selo da Secretaria de Estado Americano, que deveria reconhecer o carimbo do meu cartório.

Bárbara não respondeu aos pedidos de entrevista para esclarecer o destino final dos R$ 127,8 mil debitados em sua conta no banco Itaú. Seus vizinhos dão conta de que ela é universitária e não está trabalhando.


Fácil de registrar

Sexta-feira, na filial mineira da UBC, o correspondente do GLOBO em Belo Horizonte comprovou que é simples o caminho para se declarar autor de uma música. Bastava preencher um formulário padrão, informando o nome da composição a ser cadastrada, e anexar um papel com a letra impressa, numa autodeclaração. As atendentes daquela tarde acrescentaram ainda que a documentação poderia ser encaminhada ao escritório pelos Correios e que não seria indispensável a apresentação de uma cópia gravada da obra nem do encarte do suposto CD. A reportagem só não finalizou o registro de uma música homônima escolhida aleatoriamente porque não apresentou à associação de artistas um comprovante de residência. A medida foi proposital.

- Nosso procedimento padrão, que segue as determinações da Convenção de Berna de 1886, valoriza o autor. Só se for provado o contrário (do registrado) é que se desconfia - defende Marisa Gandelman, diretora executiva da UBC. - Funciona assim no mundo todo. É como um livro. Ninguém desconfia da autoria dele.

Descontente com a repercussão do caso Coitinho, Marisa diz que vai investigar até o fim:

- Eu quero punir, tirar do meio de nós os fraudadores, estejam eles dentro ou fora do sistema. Não quero que essa história acabe em pizza.

Reportagem alterada a pedido de Laurinda Nascimento Vieira Silva, para retirada do nome de menores do texto



DIREITOS AUTORAIS: Ana de Hollanda apressa projeto de reforma da lei


RIO - Ana de Hollanda acredita que o pior já passou. Além de comemorar ter pago R$ 150 milhões dos cerca de R$ 400 milhões pendentes do ano passado, ela está com pressa para concluir o projeto de reforma da Lei do Direito Autoral e enviá-lo no meio do ano ao Congresso Nacional, para tentar se livrar do tema que predominou nos ataques que recebeu nestes quase quatro meses como ministra da Cultura. Mas há problemas que persistem: ainda não conseguiu nomear duas secretárias (Cláudia Leitão, da Economia Criativa, setor tido como prioritário, e Marta Porto, da Cidadania e da Diversidade Cultural) por, segundo diz, problemas de documentação delas, e está passando o pires em empresas para cobrir os cortes no orçamento. Nesta entrevista, ela responde às críticas de seu antecessor, Juca Ferreira, afirma que é alvo de uma "campanha orquestrada", mas ainda deixa tópicos sem posições firmes.



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